A duplicata é um título de crédito, com força executiva, vinculado a uma operação mercantil, regulamentada pela Lei Federal 5.474/68. O artigo 2º da lei citada, em seu parágrafo primeiro, estabelece os requisitos da duplicata, sendo que esta deverá conter a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem, o número da fatura, a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista, o nome e domicílio do vendedor e do comprador, a importância a pagar, em algarismos e por extenso, a praça de pagamento, a cláusula à ordem, a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, e, por fim, assinatura do emitente.
O que chama a atenção é o requisito previsto no inciso VIII, do parágrafo primeiro do artigo 2º da lei 5.474/68, que diz que a cártula deve conter a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial. Na verdade o aceite pode ser suprido pela concordância do sacado, quando retém a duplicata até a data do vencimento, enviando comunicado escrito a respeito da retenção e do aceite ao apresentante, também, quando a duplicata não aceita e protestada esteja acompanhada de documento que comprove a entrega e o recebimento da mercadoria, não tendo o sacado recusado o aceite no prazo e condições determinados pelos artigos 7º e 8º da lei da duplicata e, por fim, quando a duplicata não aceita e não devolvida haja sido protestada por indicação do credor ou do apresentante do título, desde que, acompanhada de documento que comprove a entrega e recebimento da mercadoria.
Veja, caro leitor, que a duplicata é um título norteado de detalhes que visam a assegurar a operação mercantil, para ambos os pólos do negócio. É fato, também, que estamos na era digital e o Direito Comercial, sendo um direito dinâmico, tem como uma de suas fontes o costume, logo, a tecnologia invadiu o mundo jurídico com adequações pontuais, incluindo a essência da duplicata.
O que quero dizer, caro leitor, é que a duplicata em meio magnético passou a representar uma inovação no que se refere a título de crédito virtual. Nos dias atuais, ao transacionarem a operação mercantil, o emitente/sacador da duplicata por meio eletrônico, guarnece os dados do sacado e, como de praxe comercial, envia estas informações, em modo digital, para o banco e este emite um boleto bancário, com todas as informações pertinentes à operação, cumprindo fielmente os requisitos da lei da duplicata. Este boleto é enviado ao devedor, que deverá efetuar o pagamento na data do vencimento, diretamente na agência bancária.
Chama a atenção o fato de que, quando se fala em duplicata virtual, a duplicata em si, não chega a ser materializada.
Agora chegamos ao ponto central do artigo, a chamada Duplicata Fria, que vem sendo um grande problema enfrentado pelas empresas. Toda esta facilidade concebida pela tecnologia também está a mercê de estelionatários, que se utilizam destas benesses para o lucro fácil.
O estelionatário, aproveitando-se da publicidade que cerca a empresa, possuindo seus dados, emite contra esta duplicatas virtuais e as desconta em instituições financeiras, que deixam de postular ao indivíduo o comprovante da operação mercantil, seja uma simples fatura, seja a própria nota fiscal. Com isto, os bancos fornecem crédito ao apresentante, emitem o boleto e, obviamente, na data de vencimento do título, este não é pago, pois a empresa, terceira de boa fé, não transacionou com o estelionatário, apenas, teve seu nome indevidamente utilizado para locupletar pessoas de má fé.
Como consequência, a instituição financeira, que não adotou as medidas cabíveis quando do “desconto” do título, acaba por protestar a cártula, concebendo restrições creditícias à empresa. Pois bem, com o protesto indevido, iniciam os problemas, a empresa tem de tomar as medidas cabíveis para não dispor de valor que indevido é, bem como, deve agir rápido para sustar os efeitos do protesto e evitar constrangimentos e abalo de seu crédito, que muitas vezes pode comprometer a operacionalidade da empresa.
Obviamente que estas operações são feitas por “profissionais” do crime, que agem em nome de “laranjas” e empresas que existem somente no papel, logo, não há como o lesado buscar indenização junto ao emitente da cártula, porém, a instituição financeira possui todos os recursos para apurar a veracidade e autenticidade do título, o que deixa de fazer na maioria das vezes, acarretando prejuízos às empresas lesadas.
Com base nisto, os Tribunais brasileiros assentaram entendimento responsabilizando a instituição financeira, ou seja, em seus julgados, os Desembargadores têm condenado os bancos por danos materiais e, inclusive, morais, em razão de protesto e negativação indevidos, conforme ementa de julgamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que segue:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ENDOSSO TRANSLATIVO. DUPLICATA DESPROVIDA DE NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. NEGLIGÊNCIA DOS REQUERIDOS RECONHECIDA. I. A duplicata é título causal, que deve corresponder, sempre, a uma efetiva compra e venda mercantil ou a prestação de serviços. Ao banco que recebe esta modalidade de título cambial, através, no caso concreto, de endosso translativo, incumbe examinar a regularidade de sua emissão, sob pena de responder pelas conseqüências advindas do apontamento indevido da cártula e de sua cobrança sem causa subjacente. II. Não há dúvida quanto à existência de negligência no procedimento do requerido, uma vez que levou a protesto duplicata fria, sem qualquer documento que vinculasse a parte autora à obrigação nela espelhada. Cabe ao endossatário a verificação de que os títulos adquiridos contêm os requisitos essenciais que os tornem exigíveis. Incabível a incidência do princípio da inoponibilidade das exceções pessoais no caso concreto, tendo em vista o reconhecimento da nulidade dos títulos. III. No caso concreto, se mostra justo e razoável a redução da condenação em danos morais, mormente em face das características compensatória, pedagógica e punitiva da indenização, sendo que tal importância que se encaixa às circunstâncias concretas do caso, ao mesmo tempo em que não destoa dos valores balizados por esse colendo Tribunal. IV. Sucumbência mantida. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70027956903, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 17/09/2009)
Assim, tendo em vista as circunstâncias, caso você, ou sua empresa, tenha passado por situação semelhante, ou em caso de tais fatos virem a ocorrer, saiba que você tem direito a postular indenização pelos danos experimentados em face do protesto e/ou negativação de crédito indevidos.
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